sexta-feira, 25 de junho de 2010

coragem na hora certa


- Eu não faria isso se fosse você.

- Mas você viu como ele gritou comigo na frente de todos?

- Ele é seu chefe, está pagando pelo direito de te humilhar.

- Isso é um absurdo! Eu tenho os meus direitos! Não deixarei barato dessa vez. Chega!

- Pensa bem, cara. Você tem família… Vale mesmo a pena criar essa confusão toda?

- Sei lá… Eu não fiquei anos estudando e ralando pra ter de engolir desaforo de idiota rico! Tenho o meu orgulho…

- Assalariado pobre não tem esses luxos de orgulho, não… Vai por mim, melhor esquecer.

- Se põe no meu lugar, caralho! Vou me sentir um verme se não fizer nada.

- Seja sensato, meu… Vai pra casa, tenta esfriar a cabeça… Amanhã será um novo dia, você vai ver.

- Valeu pelos conselhos, cara. Mas eu preciso mesmo fazer isso! Vou entrar naquela sala e dizer umas verdades na cara daquele babaca e dos seus bajuladores!



Encheu o peito com uma coragem duvidosa. Os músculos da face enrijeceram-se e a mente iniciou um ensaio compulsivo do discurso. Depositava em cada passo uma parcela de sua masculinidade.


O caminho mostrou-se mais penoso que o imaginado. A DEMISSÃO. A família. A VIDA. Os sonhos. A FRUSTRAÇÃO. A humilhação. O DESESPERO. (!)


A por-ta.


Apressou-se a fim de evitar arrependimentos inoportunos e, na sala, todos já haviam ido embora. (Ufa!)

C.S.S.

terça-feira, 22 de junho de 2010

ao que nunca se esquece, uma homenagem



Não há melhor criatura que os avós. Hoje fiquei impressionada com o meu avô descrevendo em detalhes seus filmes preferidos, ele sabia o nome do diretor, dos atores, o país de origem e, se bobear, até o ano em que viu a película pela primeira vez. Ficamos horas conversando, e sai com uma lista de filmes para um dia ver na vida. Foi, então, que tocou o cuco da varanda (meu avô tem um relógio em cada cômodo da casa, fora o que usa em seu pulso. O porquê de tantos relógios? “Sou aposentado e não posso perder a hora”). Tinha de ver o Jornal da Bandeirantes, seu preferido. Fomos pra sala, minha avó, que costuma acordar muito cedo (conforme diz a lei do despertar das avós), estava dormindo, toda esparramada, no único sofá da sala. Meu avô, ao deparar-se com ela e, vendo que o Jornal já começara, iniciou uma crise de tosse e espirros que custei a achar a causa. Minha avó acabou acordando com aquele barulho todo, e, despedindo-se de mim, foi terminar o sono merecido nos limpos lençóis de sua cama. Meu avô então curou-se da tosse e dos espirros: “isso sempre funciona! Agora o sofá é todo meu! [rs]”

C.S.S., maio de 2007

Essa semana ligaram no celular da minha avó, era uma parenta distante, neta da mãe do meu avô, que resolveu, de uma hora pra outra, conhecer a familia espalhada pelo mundo (familia de imigrantes geralmente é assim, uma porrada de filhos espalhada por ai).
Depois de morar no Rio de Janeiro tempo suficiente para adquirir o sotaque carioquês, mudou-se para São Paulo, na Vila Madalena, perto da casa dos meus avós. Ela sabia que tinha um primo distante que morava numa tal de Rua Dardanellos, nada mais. Há três ruas Dardanellos em São Paulo, e de tamanhos razoáveis. Foi perguntando e, de informação aqui e acolá, acabou por saber que tinha alguma possibilidade de, num prédio velho porém charmoso, residir seu tão objetivado primo distante. Mas ele não estava, tinha viajado com a esposa pra Goiânia, a fim de conhecer o bisneto que havia nascido.
Mas não podia desistir! Conseguiu o celular da minha avó e marcou uma visita. Hoje, às 14:30, ela chegou em Goiânia, de Brasília. Uma mulher grande, tagarela, com uma cara redonda que encantaria qualquer um. Tem não sei quantos filhos, uma psicóloga infantil que está cursando doutorado na Alemanha, uma atriz, um músico, e outros, cujas profissões não me chamaram a atenção. A nostalgia tomou conta a sala, um cheiro não identificável saia de sua mala, mas ela continuava encantadora. Até que, duas horas de muitas lembranças depois, foi embora, prometendo voltar um dia.

C.S.S., junho de 2007