quarta-feira, 18 de outubro de 2017

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Responda sem pensar: qual o seu maior medo?

Contrariando a orientação da pergunta, eu pensei muito nessa resposta. E todos os meus pensamentos me levaram ao mesmo ponto. 

Quando eu digo que tenho medo da violência, eu tenho, na verdade, medo de morrer. Quando digo que tenho medo de ficar doente, eu tenho, na verdade, medo de morrer. Quando digo que tenho medo de envelhecer, eu tenho, na verdade, medo de morrer.

Eu tenho medo de morrer.

Aí então eu fui pensar na morte. Abstraindo o aspecto religioso (em toda a sua diversidade de opções) que a envolve, o que é a morte?

Você está vivo e por alguma razão (interna ou externa) não está mais. Um acontecimento que não se sabe como será, um segundo apenas.

Analisando assim, parece até bobo sentir medo.

Dizem que verdadeiros sábios e samurais não têm medo da morte. Acordam e vivem todos os dias como se fosse o último, porque um dia realmente o será.

Não sou sábia e nem samurai, rs, mas analisando o meu medo da morte, percebi que tenho, na verdade, medo da vida.

A vida é uma chance só, não tem "replay". Meu medo da morte é o medo da vida incompleta. A morte como uma passagem de volta daquela viagem que "você queria prolongar por mais uns dias, ver mais alguns lugares, conhecer mais algumas pessoas". 

Escrevo isso enquanto volto de uma viagem na qual conheci lugares e pessoas maravilhosas. Hoje é meu aniversário, daqui a pouco vou encontrar as pessoas mais importantes da minha vida: minha família.

Senta aqui comigo e fica à vontade, 29 anos, que pensar na morte é querer viver cada dia mais.

C.S.S., 8 de março de 2017.

O que aprendi com as placas tectônicas


A ideia de que moramos em cascas descontínuas e flutuantes num mar de magma que pode a qualquer momento causar grandes desastres terrestres sempre me apavorou. Essas “cascas”, que os livros escolares chamam de “placas tectônicas”, podem se movimentar de forma convergente (se chocando e originando elevações, como cordilheiras), divergente (quando se afastam, dando lugar a explosões magmáticas) ou transformante (quando deslizam, causando terremotos). Nos 3 casos, o movimento de uma placa influencia a outra e causa modificações no relevo terrestre. 


Nós somos placas tectônicas flutuando num mar de sentimento magmático. Basta um pequeno movimento da placa vizinha pra gente convergir, divergir ou transformar. Nenhuma novidade até aqui. O problema acontece quando essa movimentação ganha dinamicidade virtual: Fulana posta em sua rede social a defesa da posição X, Ciclano comenta defendendo a posição Y... Batalha virtual anunciada. Quem chega deve se posicionar: joga no meu time ou é adversário? Só se vê o bom e o mau. Se não está comigo, está contra mim. 

Tudo bem discordar, mas nada bem quando isso acontece com base em conceitos superficiais etiquetados por estereótipos. O “coxinha”, o “petralha”, a “puta”, o “bicha”. 

Essa polarização nos cega para questões mais urgentes e profundas num país em que ejacular em uma mulher dentro do ônibus ou torturar a filha com fios elétricos por ter perdido a virgindade pode ser mais aceitável que alguns tipos de arte ou de amor, e os que se consideram “doentes” estão “livres” para buscar a “cura”. Isso sem falar do nosso sistema político, que atualmente se encontra dançando no ritmo Ragatanga. 

Não precisamos concordar com todo mundo e muito menos amar a todos. Eu, particularmente, não concordo com muita coisa e não amo muita gente. Mas é preciso se posicionar com argumentos e responsabilidade, não ofensas. Vamos pensar juntos nossos movimentos tectônicos, afinal boiamos todos no mesmo magma.

C.S.S.

Praia do Futuro

Sete dias a separavam dos 30. Decidiu viajar sozinha pela primeira vez. Foi à praia. Encarou o mar. Queria refletir sobre temas importantes, escrever textos inteligentes. Ato reflexo, procurou o celular na bolsa. Lembrou que o deixara propositalmente no hotel. Conhecia seus vícios.

Caminhou lentamente pela praia, arrependendo-se de algumas escolhas. Sua vida se resumia a um carro desgovernado com um piloto olhando apenas no retrovisor. A culpa era seu inferno particular. 

Concentrou-se em sentir. O sol esquentava sua pele e a água salgada borbulhava entre seus dedos. Despida de si, entrou no mar e começou a sentir uma loucura estranha. Como se todos os seus medos não fizessem o menor sentido, tampouco seus planos.

Viu uma criança com camiseta de manga comprida, rosto branco de protetor solar e boias nos braços. Ela ria euforicamente enquanto atirava punhados de areia molhada no ar e corria em círculos, sem rumo. O meio era mais importante que qualquer fim.

Não demorou para que a felicidade infantil fosse interrompida pela lasca de concha quebrada que se escondia na areia fofa. Chorou alto. Uma mulher se aproximou correndo, colocou uma toalha estendida na areia e a criança sobre a toalha. Lavou o ferimento com uma garrafa de água mineral, mostrando para a pequena que não havia necessidade de pânico.

Ambas permaneceram sentadas na toalha. A lasca de concha quebrada virou pá e construíram castelos na areia. O sol começou a se pôr. A mulher pegou a criança no colo e a levou para o asfalto. O tempo de praia havia acabado.  

Mergulhou novamente. Como um caminhar infantil rumo a lugar nenhum, talvez o grande sentido da vida seja aceitar que as coisas podem não ter sentido. 

Prendeu a respiração. Se a expulsassem do mundo, naquele instante, estaria disposta a ir.

C.S.S.