quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Vem pra Tietê, Vinicius


Tietê é uma cidade muito engraçada,
Não tem teatro
Não tem cinema
Não tem shopping,
Tem uma casa.     

Ela não fica na rua dos bobos,
Mas foi feita com muito esmero.

Nela tem colo de vó,
Conversa de vô,
Carinho de tia e
Amizade de primo.

Pouco importa se estava longe
Ou se esteve sempre perto.

Afinal não tem tempo quente
Quando o riso teima em rolar fácil.

E é no plural de tanto afeto
Que a cerimônia cede espaço ao amor.

(vai ver é preciso não se ter nada pra perceber que se tem tudo)

E agora eu me pergunto
Porque diabos quis teatro e cinema
Se essa família já me comove a ponto de ser brega? 

C.S.S., em Tietê

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

não


Nos quereres do seu mundo, era rei. Nada lhe negavam. Família, dinheiro, amigos, amores fáceis.

Vez ou outra lhe exigiam algum esforço, sem saber que o suor garantidamente vitorioso não interfere no egoísmo das almas.   

Com uma ética baseada em necessidades efêmeras e fúteis, não conhecia o fracasso.

Virgem de frustrações e diante de uma infinidade de possibilidades dramáticas, foi preciso entender o “querer e ter um não”.

Aceitar que não se pode ter tudo, quando tudo sempre fora meu.

C. S. S., vivendo a vida como ela é

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Que se dane a glicemia!


De mãos dadas
Para atravessar a rua
E com a boca cheia
De jujubas açucaradas,
Demos nosso primeiro beijinho
De pontinha de nariz.

De tudo e por tudo
Que invadiu e fim,
Nosso amor será leve.
Viveremos de sorrisos. 

 Carol, comendo jujubas e sorrindo

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

menos monóxido de carbono, por favor



Olho no olho, mãos trêmulas, coração acelerado e… Balela.   
Eu só acreditaria no amor que soubesse andar de bicicleta.

 C.S.S., compartilhando frustrações

domingo, 4 de novembro de 2012

Cadeia pra quê, se existe disenteria?


Com destreza e exímia agilidade nas mãos, Zé Piolho era safo. A vítima só se daria conta do sumiço da carteira há quarteirões de distância, ocasião em que, aflita, reconstituiria mentalmente todo o percurso realizado na tentativa de, reencontrando algum lapso de memória perdido, identificar eventuais falhas em seu dever de cautela.

A fama de Zé Piolho espalhou-se, virou um cara respeitado. Mas não demorou para que a sensação de poder e impunidade lhe tomasse conta da alma, ampliando suas especialidades: roubos, sequestros, estupros. E o respeito mudou de nome, afinal “um bom príncipe deve ser temido”.

No início de uma madrugada chuvosa de dezembro, Zé Piolho avistou sua primeira vítima da noite: jovem, bonita, sozinha. Pulou na frente da moça, já com arma em punho, ordenando as condutas de praxe. Nesse instante, contudo, Zé Piolho foi surpreendido por repentinas dores abdominais, com contrações que, variando em intensidade, clamavam urgentemente por uma privada. Não deu tempo. E Zé Piolho aliviou-se em suas próprias calças, ali mesmo, na frente da pobre moça… Esta, percebendo a vulnerabilidade de seu agressor, fugiu sem deixar rastro.

Contrariado com aquela situação e desmentido em sua infalibilidade, Zé Piolho foi se lavar em casa. E lá ficou naquela noite, pensando em como castigaria a mulher que lhe servia as marmitas.

Passou o dia seguinte controlando a alimentação e, à noite, mudou o setor de atuação: homem, não tão jovem, não tão bonito, dirigindo carro importado, acompanhado de moça jovem e bonita. Zé Piolho intimou alguns colaboradores, e a tocaia durou até que o casal parasse em um semáforo afastado e sem muita movimentação. Todos aguardavam o sinal de Zé Piolho, mas este, ao sair do carro, viu-se acometido mais uma vez pela inconveniente caganeira.

Dessa vez o infortúnio adquiriu colossais proporções vexatórias, abalando significativamente o caráter criminoso de Zé Piolho.

“Isso é providência divina”, disse a mulher das marmitas, com a faca de Zé Piolho cravada em seu ventre.

Mas Zé Piolho não acreditava em Deus: culpou o acaso, a mulher das marmitas e a mudança de clima. Foi morar em outra cidade. Os episódios de caganeira, porém, não cessaram.

Fragilizado, e já com a subsistência afetada frente ao insucesso de suas tentativas criminosas, Zé Piolho foi procurar trabalho. 

C.S.S., tentando superar uma dor de barriga

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

e viveu feliz para sempre...


Eram duas almas que se amavam.
Mas o coração termina onde começa a cabeça,
E a cabeça é egoísta.

Em contos e encontros de fadas,
Há sempre união eterna e feliz.
Mas o que fazer quando a separação cai melhor à felicidade?

Calado o coração,
Diz-se adeus com a cabeça,
Em encenação de atriz.

O final não tinha plural no verbo,
Mas foi feliz.

Carol, só

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Por uma ausência sempre presente



A ausência sempre me caiu bem. A presença é assaz forte que fala por si só, nem sempre o papo agrada. Na ausência coloca-se o que quiser. Construí heróis colecionando ausências, e entre presenças fui percebendo pouco caráter.

Meu mundo, na crueza em que se encontra, pouco vale. Há tempos venho tentando inundá-lo de fanfarronices e surrealidades. E na ânsia de existir para além dos meus sonhos, centrei minha satisfação no impossível.

Quero que me conheçam de longe, aproximar é conhecer demais. No dia em que todos me conhecerem, ausentar-me-ei para sempre. 

C.S.S.