segunda-feira, 23 de março de 2020

Estou "on-line", logo existo?


Acordo e, ato reflexo, olho o celular. Nenhuma nova mensagem. Estranho. Termino de acordar, abro melhor os olhos. Sem sinal de internet. Reinicio o celular. Continua sem sinal. O problema deve ser no modem. Desconecto e conecto cabos, tiro e coloco na tomada, sinal ainda inexistente. Preciso chamar um técnico. Ligo no telefone que consta do modem e uma mensagem gravada me informa: “serviços de manutenção suspensos em decorrência da pandemia de coronavírus”. Aciono o 4G, sem sucesso.

Ligeiramente angustiada, tento encontrar uma internet sem senha nos arredores. Nada. Talvez algum vizinho possa ceder temporariamente seu sinal. Lembro que nunca falei com qualquer pessoa do meu bairro, mas não há limites sociais para uma mulher sozinha e sem internet na quarentena. Troco de roupa e saio. Aparentemente o medo de contaminação é irrelevante diante da tortura do “off-line”.

Ninguém na rua. Caminho até a casa mais próxima. O dia está bonito. Céu azul, passarinhos voando. Uma árvore florida me comove.

Toco a campainha do vizinho e lembro que esqueci o álcool em gel. Marco mentalmente o dedo que tocou a campainha, ele não poderá tocar mais nada até ser devidamente higienizado. Um rapaz abre a porta e me estende a mão. Cumprimento-o contrariando todos os protocolos mentais de cuidado. Simpatia perigosa com o único e exclusivo propósito de estar “on-line” novamente. Digo que sou uma pobre vizinha sozinha e sem internet na quarentena. Ele sorri e diz que o problema de sinal é generalizado. A quarentena sobrecarregou as torres de telefonia. Todos estão sem internet. Perplexa, coloco a mão sobre a boca. A mão que tocou a campainha, a mão que tocou a mão dele, mesma mão que agora tocou a minha boca. Sem agradecer, volto apressadamente pra casa.

Entro no chuveiro, lavo mãos e boca com muito sabão. Minha mente está em pânico. “Pelo menos tenho água e sabão”, penso enquanto tento praticar a gratidão que aprendi numa “live” do Instagram. Hoje não tem “live”, hoje não tem “stories”, hoje não tem chamada de vídeo. Também não posso fazer postagem reclamando do “off-line”. Gratidão é o caralho, quero internet.

Saio do banho e de mim. Não estou mais aqui. Ou será que estou mais aqui do que nunca, justamente por estar “off-line”? Existe vida em quarentena sem internet? Preciso conversar com alguém! Percebo que estou conversando comigo. Lembro que sou alguém. Ou pelo menos tento ser. Deixo a escrita desse texto de lado e vou bater uma siririca. É, Carol, “hoje somos só nós uma”.

C.S.S., tentando não surtar com a quarentena.