sexta-feira, 15 de julho de 2016
domingo, 14 de fevereiro de 2016
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016
Banquete
- Ficou provado que o filho da puta amarrou uma cachorra no carro e a arrastou até a morte! – gritei, após socar a mesa.
- Sim. E ele foi condenado por isso. – respondeu-me Jorge, secamente.
- Foi condenado, mas não será preso. – disse, enquanto me levantava e ia até a porta. – Não acredito que perdi meu tempo acompanhando esse processo e esperando justiça.
Jorge era advogado e simulava um falso amor por animais com o único propósito de me comer. Eu sabia disso e usava seu tesão a meu favor. Era por uma boa causa.
Iludi-me, contudo, ao pensar que minha denúncia, acompanhada de vídeo e placa do carro anotada, poria fim ao vasto histórico de crueldades do crápula. Grandessíssima tola.
Mais uma vez sem sucesso em seus intentos sexuais, Jorge foi embora. Era domingo e eu já estava atrasada para o almoço na casa de minha mãe, localizada coincidentemente na mesma rua do desgraçado. Desmarquei o almoço familiar e resolvi lhe fazer uma visita.
- Boa tarde, o Mauro está? – perguntei, tentando disfarçar o nervosismo.
- Não tem ninguém aqui com esse nome, Senhorita. – respondeu Ricardo Assis Toledo, o torturador de animais, enquanto passava os olhos pelo meu corpo.
- Impossível, ele me deu esse endereço. Veja. – mostrei um papel forjado com o endereço em questão. – Ele poderia ter dito que não queria minha companhia para o almoço, não precisava me mandar para o lugar errado. Homens, né...
- Nem todos os homens são assim. Almoce comigo e verá!
Convite aceito. Entrei no carro de Ricardo e fomos até um dos restaurantes mais finos da cidade. Logo na entrada, um cachorro de rua, todo sujo e com sarna, pedia comida. Ricardo olhou-o com desprezo.
- Esses cachorros só servem para passar doença.
- Se alguém cuidasse deles, eles não teriam doença nenhuma. – respondi, com a frieza de quem prepara o espírito para um banquete. Ricardo sorriu de lábios fechados, ele certamente não discutiria comigo. Ao menos não agora, enquanto ostentava todo o seu potencial de macho descolado e sedutor.
Ricardo não me deixou olhar o cardápio. Investiu-se na elevada patente de cliente assíduo do restaurante e pediu “o de sempre”. Conversávamos amenidades quando a comida chegou: carpaccio de carne repleto de decorações e firulas que certamente o encareceriam.
- As damas primeiro... – ofereceu-me gentilmente o garfo.
- Eu sou vegetariana.
- Você só pode estar brincando. Como alguém não come carne? – dessa vez o sorriso de lábios fechados foi meu, mas ele não captou a sutileza da informação. – Você não gosta de carne?
- Não é isso... São outras questões...
- Temos aqui uma linda moça que não gosta de carne! – disse, virando-se para o garçom. Os dois riram.
Após o almoço, ele me convidou para conhecer a “casa do Mauro”. Fomos.
A casa de Ricardo era bastante luxuosa e, logo na entrada, via-se sua extensa coleção de animais empalhados: uma verdadeira visão do inferno. Passamos pela cozinha, onde ele, contrariando qualquer recomendação de bom senso, me mostrou sua coleção de facas artesanais para churrasco. Elas ficavam guardadas em uma gaveta, logo abaixo da grande tábua de madeira, na qual havia uma vaca desenhada, com todas as partes marcadas.
Entramos no quarto. Eu sabia o que ele queria e estava disposta a dar. O tesão dele alimentava minha ira. Era noite e ele dormia pesadamente quando decidi ir até a cozinha. Cacei os poucos legumes da geladeira. Lavei-os. Abri a gaveta das facas especiais. Acendi o forno. Faltava alguma coisa. Peguei a faca mais afiada da coleção e voltei ao quarto.
- Sim, eu gosto de carne. – disse, enquanto me aproximava de Ricardo, faminta.
sexta-feira, 29 de janeiro de 2016
Banho frio
Já
estava saindo de casa quando o telefone tocou. De imediato, olhei o celular. Nenhuma
mensagem ou ligação perdida. O que seria tão importante para se ter o telefone
fixo como primeira opção?
Talvez
uma tia velha ligasse informando a morte de um parente distante. Repassei
mentalmente as obrigações financeiras que havia assumido naquele ano, poderia
ser cobrança. Ou quem sabe um presidiário estivesse na linha, simulando o
sequestro de um ente querido para extorquir o dinheiro que não tenho. Ente
querido... Sorri de canto de boca, não tinha graça gargalhar sozinho. Pensei no
meu pai. Depois de tudo que havíamos dito um ao outro, seria a velhice capaz de
dissolver o orgulho?
Não
mais que de repente, a água gelada de um chuveiro imaginário despencou sobre
mim. Repleto de espasmos cardíacos, contraí os ombros e desejei que o telefone
parasse em cada passo a ele direcionado.
Por
último, como sempre e pra sempre, o pensamento nela. Afinal de outra forma não
haveria de ser as epifanias mentais dos apaixonados.
Voltei
para fechar a porta, sentei-me no sofá. A conversa seria longa. Estava pronto
para dizer não necessariamente o que precisasse ser dito, mas o que quisesse
ser ouvido. A tal receita do perdão.
C.S.S.
sexta-feira, 15 de janeiro de 2016
Filosofia barata
Esgotada pelos subterrâneos do saneamento básico
decidiu procurar nova morada.
Desbaratou-se
sem grandes expectativas
e encontrou o paraíso naquele lugar
que saberia apenas tempos depois
se tratar de uma biblioteca.
Era um prédio simples e o movimento humano
ainda que pequeno
lhe rendia bons farelos de bolacha água e sal.
Era um barato
se aventurar entre tantos mundos
horizontalizados em tatuagens no papel.
Ao lado da história do Brasil
em um tubo metálico e frio
viu uma foto sua com os dizeres
mata baratas e
formigas
teve medo.
No mesmo dia caminhou pelo dicionário
conheceu o significado da palavra
ojeriza
lembrou de Rousseau
e do homem bom que é corrompido pela sociedade
tentou perdoar.
Com os franceses aprendeu também
que existia porque pensava
sentiu-se inteligente
considerando a média dos artrópodes
só sei que nada sei
é falsa modéstia de grego.
Distraída pela paz
de seu equilibrado estado de espírito
não viu o chinelo
rápido e certeiro:
maldito pragmatismo!
C.S.S.
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