sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Banho frio


Já estava saindo de casa quando o telefone tocou. De imediato, olhei o celular. Nenhuma mensagem ou ligação perdida. O que seria tão importante para se ter o telefone fixo como primeira opção?

Talvez uma tia velha ligasse informando a morte de um parente distante. Repassei mentalmente as obrigações financeiras que havia assumido naquele ano, poderia ser cobrança. Ou quem sabe um presidiário estivesse na linha, simulando o sequestro de um ente querido para extorquir o dinheiro que não tenho. Ente querido... Sorri de canto de boca, não tinha graça gargalhar sozinho. Pensei no meu pai. Depois de tudo que havíamos dito um ao outro, seria a velhice capaz de dissolver o orgulho?

Não mais que de repente, a água gelada de um chuveiro imaginário despencou sobre mim. Repleto de espasmos cardíacos, contraí os ombros e desejei que o telefone parasse em cada passo a ele direcionado.   

Por último, como sempre e pra sempre, o pensamento nela. Afinal de outra forma não haveria de ser as epifanias mentais dos apaixonados.

Voltei para fechar a porta, sentei-me no sofá. A conversa seria longa. Estava pronto para dizer não necessariamente o que precisasse ser dito, mas o que quisesse ser ouvido. A tal receita do perdão.

Atendi o telefone buscando a entonação perfeita para dialogar novamente com a felicidade. Era engano.

C.S.S.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Filosofia barata


Esgotada pelos subterrâneos do saneamento básico
decidiu procurar nova morada.

Desbaratou-se
sem grandes expectativas
e encontrou o paraíso naquele lugar
que saberia apenas tempos depois
se tratar de uma biblioteca.

Era um prédio simples e o movimento humano
ainda que pequeno
lhe rendia bons farelos de bolacha água e sal.

Era um barato
se aventurar entre tantos mundos
horizontalizados em tatuagens no papel.

Ao lado da história do Brasil
em um tubo metálico e frio
viu uma foto sua com os dizeres
mata baratas e formigas
teve medo.

No mesmo dia caminhou pelo dicionário
conheceu o significado da palavra
ojeriza
lembrou de Rousseau
e do homem bom que é corrompido pela sociedade
tentou perdoar.

Com os franceses aprendeu também
que existia porque pensava
sentiu-se inteligente
considerando a média dos artrópodes
só sei que nada sei
é falsa modéstia de grego.

Distraída pela paz
de seu equilibrado estado de espírito
não viu o chinelo
rápido e certeiro:
maldito pragmatismo!

C.S.S.