domingo, 4 de novembro de 2012

Cadeia pra quê, se existe disenteria?


Com destreza e exímia agilidade nas mãos, Zé Piolho era safo. A vítima só se daria conta do sumiço da carteira há quarteirões de distância, ocasião em que, aflita, reconstituiria mentalmente todo o percurso realizado na tentativa de, reencontrando algum lapso de memória perdido, identificar eventuais falhas em seu dever de cautela.

A fama de Zé Piolho espalhou-se, virou um cara respeitado. Mas não demorou para que a sensação de poder e impunidade lhe tomasse conta da alma, ampliando suas especialidades: roubos, sequestros, estupros. E o respeito mudou de nome, afinal “um bom príncipe deve ser temido”.

No início de uma madrugada chuvosa de dezembro, Zé Piolho avistou sua primeira vítima da noite: jovem, bonita, sozinha. Pulou na frente da moça, já com arma em punho, ordenando as condutas de praxe. Nesse instante, contudo, Zé Piolho foi surpreendido por repentinas dores abdominais, com contrações que, variando em intensidade, clamavam urgentemente por uma privada. Não deu tempo. E Zé Piolho aliviou-se em suas próprias calças, ali mesmo, na frente da pobre moça… Esta, percebendo a vulnerabilidade de seu agressor, fugiu sem deixar rastro.

Contrariado com aquela situação e desmentido em sua infalibilidade, Zé Piolho foi se lavar em casa. E lá ficou naquela noite, pensando em como castigaria a mulher que lhe servia as marmitas.

Passou o dia seguinte controlando a alimentação e, à noite, mudou o setor de atuação: homem, não tão jovem, não tão bonito, dirigindo carro importado, acompanhado de moça jovem e bonita. Zé Piolho intimou alguns colaboradores, e a tocaia durou até que o casal parasse em um semáforo afastado e sem muita movimentação. Todos aguardavam o sinal de Zé Piolho, mas este, ao sair do carro, viu-se acometido mais uma vez pela inconveniente caganeira.

Dessa vez o infortúnio adquiriu colossais proporções vexatórias, abalando significativamente o caráter criminoso de Zé Piolho.

“Isso é providência divina”, disse a mulher das marmitas, com a faca de Zé Piolho cravada em seu ventre.

Mas Zé Piolho não acreditava em Deus: culpou o acaso, a mulher das marmitas e a mudança de clima. Foi morar em outra cidade. Os episódios de caganeira, porém, não cessaram.

Fragilizado, e já com a subsistência afetada frente ao insucesso de suas tentativas criminosas, Zé Piolho foi procurar trabalho. 

C.S.S., tentando superar uma dor de barriga

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