quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Banquete

- Ficou provado que o filho da puta amarrou uma cachorra no carro e a arrastou até a morte! – gritei, após socar a mesa.
- Sim. E ele foi condenado por isso. – respondeu-me Jorge, secamente.
- Foi condenado, mas não será preso. – disse, enquanto me levantava e ia até a porta. – Não acredito que perdi meu tempo acompanhando esse processo e esperando justiça.

Jorge era advogado e simulava um falso amor por animais com o único propósito de me comer. Eu sabia disso e usava seu tesão a meu favor. Era por uma boa causa.

Iludi-me, contudo, ao pensar que minha denúncia, acompanhada de vídeo e placa do carro anotada, poria fim ao vasto histórico de crueldades do crápula. Grandessíssima tola. 

Mais uma vez sem sucesso em seus intentos sexuais, Jorge foi embora. Era domingo e eu já estava atrasada para o almoço na casa de minha mãe, localizada coincidentemente na mesma rua do desgraçado. Desmarquei o almoço familiar e resolvi lhe fazer uma visita.

- Boa tarde, o Mauro está? – perguntei, tentando disfarçar o nervosismo.
- Não tem ninguém aqui com esse nome, Senhorita. – respondeu Ricardo Assis Toledo, o torturador de animais, enquanto passava os olhos pelo meu corpo.  
- Impossível, ele me deu esse endereço. Veja. – mostrei um papel forjado com o endereço em questão. – Ele poderia ter dito que não queria minha companhia para o almoço, não precisava me mandar para o lugar errado. Homens, né...
- Nem todos os homens são assim. Almoce comigo e verá!

Convite aceito. Entrei no carro de Ricardo e fomos até um dos restaurantes mais finos da cidade. Logo na entrada, um cachorro de rua, todo sujo e com sarna, pedia comida. Ricardo olhou-o com desprezo.
- Esses cachorros só servem para passar doença.
- Se alguém cuidasse deles, eles não teriam doença nenhuma. – respondi, com a frieza de quem prepara o espírito para um banquete. Ricardo sorriu de lábios fechados, ele certamente não discutiria comigo. Ao menos não agora, enquanto ostentava todo o seu potencial de macho descolado e sedutor.

Ricardo não me deixou olhar o cardápio. Investiu-se na elevada patente de cliente assíduo do restaurante e pediu “o de sempre”. Conversávamos amenidades quando a comida chegou: carpaccio de carne repleto de decorações e firulas que certamente o encareceriam.  
- As damas primeiro... – ofereceu-me gentilmente o garfo.
- Eu sou vegetariana.
- Você só pode estar brincando. Como alguém não come carne? – dessa vez o sorriso de lábios fechados foi meu, mas ele não captou a sutileza da informação. – Você não gosta de carne?
- Não é isso... São outras questões...
- Temos aqui uma linda moça que não gosta de carne! – disse, virando-se para o garçom. Os dois riram.

Após o almoço, ele me convidou para conhecer a “casa do Mauro”. Fomos.

A casa de Ricardo era bastante luxuosa e, logo na entrada, via-se sua extensa coleção de animais empalhados: uma verdadeira visão do inferno. Passamos pela cozinha, onde ele, contrariando qualquer recomendação de bom senso, me mostrou sua coleção de facas artesanais para churrasco. Elas ficavam guardadas em uma gaveta, logo abaixo da grande tábua de madeira, na qual havia uma vaca desenhada, com todas as partes marcadas.

Entramos no quarto. Eu sabia o que ele queria e estava disposta a dar. O tesão dele alimentava minha ira. Era noite e ele dormia pesadamente quando decidi ir até a cozinha. Cacei os poucos legumes da geladeira. Lavei-os. Abri a gaveta das facas especiais. Acendi o forno. Faltava alguma coisa. Peguei a faca mais afiada da coleção e voltei ao quarto.
- Sim, eu gosto de carne. – disse, enquanto me aproximava de Ricardo, faminta.

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