domingo, 1 de fevereiro de 2015

Ficou pra semente


Mal sabia o que lhe esperava a pobre semente de Gossypium barbadense L., vulgo algodoeiro. Sem tempo para se conscientizar acerca das possibilidades da vida, foi abruptamente imersa em terra fofa. Paralisada com a escuridão, sentiu a umidade de seu cativeiro lhe puxar ramificações por todo o corpo, fundindo-se com seu algoz.

Do medo fez-se a força, e a pequena semente não demorou para tornar-se broto. Cresceu com folhas largas e floresceu uma felicidade bonita de se ver. Durou pouco.

Ainda lamentava as flores caídas no chão quando percebeu que cápsulas grandes e verdes permaneciam em seus ramos. Sentiu o sol amadurecê-las para logo explodirem em algodão branco.

Ainda sem entender tudo o que lhe acontecia, a pobre semente – que já não era mais semente, em que pese ainda pobre – conheceu a colheitadeira de algodão, que veio e foi rápido, deixando para trás galhos, folhas e solidão.

Descaroçado, seco e escovado, o fardo tornou-se fibra. Após urdiduras e tramas, fez-se o tecido e a camisa 100% algodão do Sr. Ubaldo.

Se vivo, Sr. Ubaldo provavelmente não escolheria aquela camisa – mas sua digníssima esposa o queria bonito para a despedida. Comprou camisa e sapatos novos, que foram imersos – juntamente com o Sr. Ubaldo – na mesma terra fofa de nossa pobre semente.


Nenhum comentário:

Postar um comentário